Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam... Os urubus,
aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra
a natureza eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram escolas e
importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram
competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a
permissão para mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram
nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se
tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamam de Vossa Excelência. Tudo ia
muito bem até que a doce tranqüilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A
floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários
e faziam serenatas para os sabiás... Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor
encrespou a testa , e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um
inquérito.
— Onde estão os documentos dos seus concursos? E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam simplesmente...
— Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.
E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...
MORAL: Em terra de urubus diplomados não se houve canto de sabiá."
Rubem Alves, "Estórias de quem gosta de ensinar, Cortez Editora , São Paulo, 1984, p.p 61-62
Nenhum comentário:
Postar um comentário