domingo, 25 de setembro de 2011

REFLEXÃO DOMINICAL - A VIDA


A VIDA


(Uma enquete profissional)

Para os humoristas, a Vida não passa de uma boa piada. [...] mas, o que pensam as pessoas de outras profissões a respeito da Vida? Consultei alguns e o resultado foi esse:

L.C.F. alfaiate:

-A Vida só dá pano pra manga. É a maior rasgação de seda que existe. Um dia tudo vai bem, no outro ela bate o brim. Procurar um lugar ao sol é procurar uma agulha no palheiro. A vida não dá camisa a ninguém, amigos te deixa com as calças na mão anos na mão a fio e no fim ainda te abotoa o paletó.

B.G.R. padeiro:

- Que Vida, meu chapa! Estou aqui suando e comendo o pão que o Diabo amassou e você vem me falar de Vida? A Vida me deu um bolo quando eu nasci brasileiro. Agora tenho que sustentar o burro a pão–de-ló, lá em Brasília. E sem me queixar senão levo bolacha na cara. A Vida não é biscoito, meu chapa.

C.E.P. horticultor:

-Ah, a Vida... É um tal de descascar um abacaxi atrás do outro...Gente nos mandando às favas por culpa do intermediário... O ICM te esprinafando... A mulher que antes era uma uva, uma pele de pêssego, agora tá feia e me manda plantar batatas todas às noites... Ah, a Vida... Já foi um chuchu, mas embananaram tudo...

O.D.E. , ferramenteiro:

-Dá pá virada, moco, dá pá virada. É isso que a Vida tá. Parece que o mundo tem um parafuso frouxo. A gente senta pua no trabalho decente e não há recompensa. Tenta a boa fé e lá vem picaretagem. Em pouco tempo ta no prego, não é?

H.S., ourives:

- Hum, a Vida... Olha eu acho que não adianta nascer em berço de ouro. Às vezes a Vida de dá um caráter que não vale um níquel, e aí? Termina o senhor com um testa de ferro qualquer. Pra levar a Vida tá, não há prata de casa que agüente. Até era jóia se acabasse mais cedo.

W.V.N., bancário:

-Vida com V maiúsculo? Não vale um tostão furado. É um cheque sem fundos. E tem mais: não tem compensação nunca, sabe? Faz cada uma que você tem que pagar na mesma moeda. Quanto mais sujeiras te fazem mais você tem de dar o troco. O resto é saldo negativo.

J.I.T., marceneiro:

- Bom, com um cara de pau a Vida está salva. Claro, você pode ser honesto, ser pau para toda obra, etc. Só que tem um detalhe: os cavacos do ofício. Eles atrapalham a sua Vida de um jeito que não tem solução e você é obrigado a botar o pé na tábua. Ou baixar a lenha corajosamente. E te dou um conselho: quando vier de sarrafo, te manda. Resistir acaba em pijama de madeira.

S.R.S., fiscal do Instituto Nacional de Pesos e medidas:

-A Vida ficou ruim pra mais de metro. Nunca dá um quilo certo! Todo mundo sabe que ela tem dois pesos e duas medidas, com a justiça, pode?

B.K.L., escritor:

- Se a Vida não escrevesse certo por linhas tortas, até que gostaria falar dela. Ao pé da letra, a Vida não é mais do que um rascunho, um esboço. Vida, vírgula! É sempre bem concebida e, depois mal acabada. Roteiros, mesmo assim, eu desejaria uma reedição da Vida. Porque essa que estamos vivendo é apenas sinopse. E ponto final.

E.E., artista de circo:

-Não fossem as acrobacias, á Vida seria uma boa, não é? Mas não tem fim essa corda bamba. É tanta zebra, tanto amigo urso, que você banca o palhaço e tem que fazer mágica para manter o show. Tenho esperança de que a coisa mude, pois na lona não pode ficar.

U.S.D., consultor sentimental:

- Estou de coração ferido com a Vida. Tenho a alma em pedaços. Meu orgulho está ferido.


M.Z.I., mestre- de- obra:

-A Vida faz o que lhe dá na telha. Encosta todos contra a parede. Tira o colchão embaixo dos teus pés. E entra areia, não é?


J.L.O., farmacêutico:

-Sim, eu acho a Vida uma droga mesmo dourando a pílula. Não se pode engolir. É dose. Receita para melhorá-la? Se eu tivesse, seria uma injeção de ânimo em mim. Acredito que a Vida não passe de uma amostra grátis. O negócio é encontrar uma fórmula de ir levando, já que ela não tem remédio. Mas vamos parar com essa entrevista sobre a Vida que tá ficando xarope, tá?

Aí desistir: com pessimismo profissional não é possível.

FRAGA. Punidos Venceremos. Porto Alegre, Tchê!,

1984. In JORDÃO, Rose. Linguagens: Estrutura e Arte. São Paulo: Moderna, 1994.

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