segunda-feira, 30 de agosto de 2010

CALDEIRÃO DOS MITOS

Eu vi o céu à meia-noite
Se avermelhando num clarão
Como incêndio anunciado
No Apocalipse de São João
Porém não era nada disso
Era um Corisco, era um Lampião

Eu vi um risco nos espaços
Era um revoo do sanhaçu
Eu vi o dia amanhecendo
No ronco do maracatú

Não era lança de São Jorge
Era o espinho do mandacarú

Vi um profeta conduzindo
Dos arraiás às multidões
Pra construir um chão sagrado
Com espingardas e facões
Não foi Moisés na Palestina
Foi Conselheiro andando nos sertões

Eu vi o som na escadaria
Dó, ré, mi, fá, sol, lá, si, dó
Não era o eco das trombetas
De Josué e Jericó

Era um fole de oito baixos
A tocar numa noite de forró
Vi um magrelo amarelado
Passando a perna no patrão
Não foi ninguém da Inglaterra

Nem de Paris, nem do Japão
Era o Pedro Malasartes
Era João Grilo e era Cancan
Eu vi o sol ao meio-dia
No meio do chão do Ceará
Não era o coro dos Arcanjos
Nem era a voz de Jeová

Era uma cascavel armando o bote
Balançando o maracá

Vi uma mão fazer o barro
Um homem forte
Um homem nu
Um homem branco como eu
Um homem preto como tu

Porém não foi a mão de Deus
Foi Vitalino de Caruaru

(Braúlio Tavares)

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