terça-feira, 31 de agosto de 2010

NÃO SONHO MAIS


Hoje eu sonhei contigo, tanta desdita, amor nem te digo
Tanto castigo que eu tava aflita de te contar
Foi um sonho medonho desses que às vezes a gente sonha
E baba na fronha, e se urina toda e quer sufocar


Meu amor vi chegando um trem de candango
Formando um bando mas que era
um bando de orangotango pra te pegar
Vinha nego humilhado, vinha morto-vivo, vinha flagelado
De tudo que é lado vinha um bom motivo pra te esfolar


Quanto mais tu corria mais tu ficava, mais atolava
Mais te sujava, amor, tu fedia, empesteava o ar
Tu que foi tão valente chorou pra gente, pediu piedade
E, olha que maldade, me deu vontade de gargalhar
Ao pé da ribanceira acabou-se a liça e escarrei-te inteira


A tua carniça e tinha justiça nesse escarrar
Te rasgamo a carcaça, descendo a ripa, viramo as tripas
Comendo os ovos, ai, e aquele povo pôs-se a canta

Foi um sonho medonho desses que às vezes a gente sonha
E baba na fronha e se urina toda e já não tem paz
Pois eu sonhei contigo e caí da cama
Ai, amor, não briga, ai, não me castiga
Ai, diz que me ama e eu não sonho mais


(Chico Buarque)

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